13 de mar. de 2008

O Mito da Marginalidade

*Mariana Perozzi

Em O Mito da Marginalidade (1977), a antropóloga americana Janice Perlman analisa os principais estereótipos - delineados por teóricos, elaboradores de políticas ou pelo senso comum - relacionados a moradores de favelas. Tais estereótipos são por ela chamados mitos da marginalidade, os quais ela busca rechaçar ou confirmar a partir dos resultados da pesquisa que realizou em favelas do Rio de Janeiro, no final da década de 1960.

Na época do estudo, o Rio de Janeiro era uma das cidades brasileiras que mais crescia. Tinha cerca de 300 favelas, com uma população aproximada de um milhão de pessoas.

No Capítulo 1 (Cidades e Favelas), a autora aborda as controvérsias sobre a urbanização – fenômeno que se processa a uma velocidade maior que a industrialização e a criação de instituições urbanas compatíveis (oportunidades de trabalho, serviços urbanos, acomodações, infra-estrutura e capacidade administrativa da cidade), devido às elevadas taxas de migração, crescimento natural da população ou supermecanização (uso de tecnologia capital-intensiva nas indústrias, em detrimento da geração de novos postos de trabalho).

Perlman aborda também as favelas e as controvérsias acadêmicas que as cercam. Descreve os argumentos que sustentam pontos de vista como o das “favelas como aglomerações patológicas” (lugar de vagabundos, ladrões, bêbados e prostitutas que vivem em condições subumanas), “favelas como comunidades em busca de superação” (lugar de gente dinâmica, honesta e capaz) e “favelas como calamidade inevitável” (conseqüência natural e infeliz do crescimento urbano, dependente de ações paternalistas).

O Capítulo 2 (Duas Favelas e Um Subúrbio) descreve em detalhes a pesquisa de campo realizada pela autora entre 1968 e 1969, nas favelas da Catacumba (Zona Sul do Rio), Nova Brasília (Zona Norte) e Duque de Caxias (Baixada Fluminense). Como metodologia, empregou observação participante, entrevistas abertas, análise do contexto, dados de levantamento e históricos vitais cronológicos. Cada uma das três comunidades apresentaram características diferentes – e bastante peculiares - quanto à localização, aspectos físicos, história, serviços urbanos, espírito comunitário e perspectivas quanto à remoção.

No Capítulo 4 (A Teoria da Marginalidade e o Ideal Tipo), Janice Perlman primeiramente enfoca os usos comuns (populares) do termo marginalidade, para depois examinar as escolas e teorias que o conceituam.

No imaginário popular, o marginal é um elemento indolente e perigoso, geralmente ligado ao submundo do crime, da violência, das drogas e prostituição. As conotações pejorativas ligadas aos pobres na América Latina possuem profundas raízes históricas, sendo tais estereótipos, inclusive, perpetuados pelas próprias instituições oficiais.

Embora afirmando ser impossível qualquer classificação ou taxonomia das escolas de pensamento que estudaram a marginalidade, Janice Perlman agrupa e analisa sete abordagens, identificadas por ela da seguinte maneira:

1) psicossociológica: primeira a utilizar o termo marginalidade. Para Robert Park (1928), o marginal é um “indivíduo à margem de duas culturas e duas sociedades que nunca se interpenetraram e fundiram totalmente” (p.131). Para H.F.Dickie-Clark, “o grupo dominante (...), se pretende continuar dominante, não pode permitir às camadas inferiores que compartilhem seus poderes e oportunidades” (p.135).

2) arquitetônica-ecológica: define o marginal como aquele que mora em vizinhanças marginais em relação à cidade, com infra-estrutura, higiene e segurança precárias – ou seja, as favelas. Dessas condições decorriam os desequilíbrios morais e sociais. A marginalidade, portanto, deveria ser erradicada através da remoção das favelas.

3) etnográfica: “atribui a marginalidade à persistência de instituições e costumes rurais num ambiente de outra forma urbano” (p.139), e também à ausência de pressão comunitária para a internalização de regras e leis na personalidade do migrante.

4) tradicional-modernizante: considerava que os atributos de indivíduos de sociedades tradicionais explicavam a perpetuação do subdesenvolvimento. Mudanças nas esferas política, econômica e das estruturas sociais dependiam da modernização da sociedade, o que por sua vez requer que o próprio povo se modifique.

5) cultura da pobreza: diferencia a pobreza em si (ou seja, a privação material de certas necessidades) dos seus aspectos culturais (traços de personalidade que se perpetuam para gerações subseqüentes, mesmo após alterações nas condições econômicas).

6) ideologia da participação (Desal/Chile): segundo Vekemans, “a marginalidade se caracteriza pela completa falta de participação na sociedade global... Esta inter-relação de omissões é devida, por sua vez, à desintegração interna dos grupos marginais e sua carência absoluta de qualquer forma de organização” (p. 155).

7) teoria do radicalismo: os migrantes abandonam seus lares com expectativas pouco realistas e se vêem constantemente solitários e frustrados diante das dificuldades, pressupostos assim à explosões de violência ou atitudes revolucionárias. Na ausência de fortes laços grupais, os favelados podem facilmente aderir a movimentos de protestos.

No final deste capítulo, a autora traça o “tipo ideal”, um exemplo extremo da cultura marginal, que combina todas as características (são oito preposições) suscitadas pelas escolas mencionadas acima.

No Capítulo 5, ela busca testar cada uma das preposições do capítulo anterior, para determinar até que ponto os favelados e suburbanos do Rio de Janeiro correspondem aos constituintes da teoria da marginalidade.

Em resumo, Janice Perlman não confirma as preposições levantadas. A seguir, listamos as preposições e principais justificativas para sua desqualificação:

1) desorganização interna: a autora detectou intensa vida associativa na favela;

2) isolamento externo: a maioria dos favelados usa intensamente o contexto urbano, estando exposto a suas experiências;

3) cultura do tradicionalismo: ainda que a maioria dos favelados se identifique com alguma religião, não se fecham para maneiras racionais de pensar;

4) cultura da pobreza: ao contrário, os favelados apresentavam estabilidade familiar, otimismo e aspirações racionais ligadas à profissão, dinheiro, educação;

5) parasitismo econômico: segundo a pesquisa, quase todos que podiam trabalhavam (sobretudo no setor de serviços);

6) paroquialismo econômico: os favelados mostraram abertura para a inovação e ciência moderna, valorização do trabalho árduo e da educação;

7) apatia política; e 8) radicalismo político: tais resultados constam do capítulo 6.

PERLMAN, Janice E. O mito da marginalidade: Favelas e a política no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1977.

Um comentário:

Tine Araujo disse...

Muito bom texto!
Parabéns :-)