20 de jun. de 2008

Notícia que retrata um pouco da questão da multiplicidade de opiniões na rede e o conflito entre uma visão de mundo centralizadora.

http://esteouaquele.com/2008/06/blogueiro-por-que-no-se-calas.html

23 de mai. de 2008

22 de mai. de 2008

Gianni Vattimo

O movimento de 1968 representa o início do pós-moderno: com o declínio da metafísica, ou seja, com o declínio de uma idéia de racionalidade central que o filósofo poderia possuir, e sobretudo, porque outras culturas passaram a se fazer ouvir (penso na revolta dos povos das ex-colônias, a qual se reflete, do ponto de vista teórico, no estruturalismo: todas as culturas possuem direitos iguais), os intelectuais perdem seu papel de guia do príncipe, de assessores do soberano.
A opinião pública torna-se sempre mais plural, uma espécie de caos (positivo), onde se chocam opiniões diferentes e diferentes visões de mundo. A própria revolta juvenil – não apenas a estudantil – daquela época é um reflexo desse declínio do “pensamento único”, das auctoritates, sobretudo no plano moral: crítica da família, desconfiança em relação às instituições, um desejo geral de renovação.
A primeira reação dos intelectuais à crise de seu próprio papel, ligada à crise da metafísica, ou seja, à fé numa única racionalidade, que podia ser identificada com a cultura dominante ocidental, é uma espécie de refluxo à esfera privada: cada um trabalha para si, numa conexão direta com as demandas do “mercado”, dos editores, da mídia, do “público” como um todo. Felizmente, não existe mais a idéia de que o intelectual seja um “guia”; infelizmente, porém, também não existe mais a crença de que ele deva interpretar num sentido progressivo, em direção a um projeto qualquer, o estado de espírito das pessoas.
Nessa posição dos intelectuais espelha-se todo os aspectos positivos e negativos do pós-moderno: o fim das grandes meta-narrativas – e portanto, a libertação de esquemas metafísicos de origem marxista, hegeliana, positivista; por outro lado, a perda de qualquer engajamento em favor daquilo que a ideologia anterior chamava de progresso geral. Acontece nesse caso algo parecido como que ocorreu com a religião: após a perda das grandes certezas metafísicas, que eram também a base do ateísmo dos filósofos, torna-se novamente possível pensar seriamente na religião como engajamento pessoal. Assim, o relativo “deserto” da pós-modernidade abre também o caminho - ou poderá abrir o caminho – para uma nova concepção do humano ou do humanismo, em que o destino comum faz-se perceber como um fato de alteridade elementar: pensemos na popularidade de um filósofo como Lévinas, com sua teoria da face do outro entendido como fonte primeira de responsabilidade, para além de qualquer conceito metafísico geral.
Hoje o papel público dos intelectuais, que vinha sendo exercido até agora num sentido negativo – como desconstrução pós-moderna das grandes narrativas metafísicas e político-morais – pode-se tornar novamente de certa forma positiva; mas não falando em nome do universal – em que não mais acreditamos e que percebemos sempre como uma pretensão disfarçada de “Razão” – mas tomando consciência de nosso próprio posicionamento: histórico, cultural (também como pertencimento a essa ou aquela cultura) e mesmo nosso posicionamento de “classe”. Não se trata somente de dar voz a interesses particulares, mas de interpretar, ou seja, colocar de forma legível para todos, perspectivas, expectativas, esperanças, exatamente daquela parte da humanidade que até agora não teve a capacidade de se fazer ouvir. Por isto, a tarefa do intelectual permanece sendo um papel “crítico”, ainda que não meramente desconstrutivo, destrutivo. Pois o ser, se é que de fato é algo, é o futuro (recordando a lição de Heidegger), portanto, a crítica constitui em dar voz àqueles projetos que ainda não conseguiram ser compreendidos. Como dizia Walter Benjamin, é preciso que se faça ouvir a voz dos vencidos da história. A repugnância que todos temos em relação ao conformismo deve encontrar aqui sua verdadeira expressão: escutar as vozes que até agora foram caladas e reprimidas. Não unicamente por dizerem coisas importantes, mas porque são “outras” e o ser (mas, se se quiser, Deus ele próprio) é sempre outro ou o outro.
Nietzsche e Heidegger, sobretudo o último estão muito presentes nessa reflexão que provém livremente do espírito de 68. Nietzsche, pois nos ensina a pensar que o nihilismo, ou seja, o declínio das grandes meta-narrativas metafísicas, dos assim-chamados valores, não é uma lástima, mas a possibilidade de inventar novos valores, menos repressivos, para nossa convivência. Heidegger, pois no mesmo espírito, convida-nos a não pensar em nosso destino em termos de aceitação da objetividade dada (que é sempre um fato de autoridade e de domínio), mas em termos de projeto.
A polêmica contra o relativismo parece-me ser, sobretudo, um tema das “autoridades” religiosas e políticas de todos os tipos, contra a liberdade. De resto, não há pessoas “relativistas”, pois ninguém professa a própria verdade pensando que as outras verdades sejam tão verdadeiras quanto a sua. Há instituições “relativistas”, que são simplesmente as democracias liberais, em que vigora a liberdade de pensamento. Será que talvez gostaríamos de eliminá-las para garantir a “segurança” contra os “terroristas”?
Nada de retorno à tradição, portanto, isso significaria sempre uma submissão à autoridade. Ao contrário, precisamos de uma discussão púiblica mais intensa, de uma participação política mais ampla e contínua dos cidadãos, para vencer aquela que sempre mais se revela como uma asfixia da democracia nos países obcecados pela “luta contra o terrorismo”.
Uma perspectiva pós-moderna, que é também uma perspectiva anti-metafísica, prefere liberalismo e democracia não porque estejam fundados sobre valores humanos “eternos”, mas porque representam as únicas possibilidades de dar um sentido não unicamente retrospectivo à história. Como afirma Heidegger, nós somos “projetos” e por isso precisamos de liberdade e de espaços abertos.

G. Vattimo
[Trad. Andrea Lombardi]

6 de mai. de 2008

Módulo II - O conceito de Rede

Tema 1- O conceito de Rizoma e a filosofia da diferença
Tema 2- Filosofia Mestiça e antropologia simétrica
Tema 3- O Sex-Appeal do Inorgânico
Tema 4- Tecnopsicologia
Tema 5- A sociedade em rede e o virtual
Tema 6- Inteligência Coletivo X Inteligência Conectiva

Bibliografia preliminar:

§ Castells, M. A sociedade em rede. São Paulo: Paz e Terra, 2000
§ Peters, Michael. Pós-estruturalismo e filosofia da diferença. Belo Horizonte : Autêntica, 2000
§ Deleuze, G. & Guattari, F.. Mil platôs: capitalismo e esquizofrenia. São Paulo : Ed. 34,1995. (Vol.1 Cap 1)
§ Levy, Pierre As tecnologias da inteligência. S. Paulo, Editora 34, 1995.
§ Kerckhove,D. A pela da Cultura.
§ Serres, M. Filosofia Mestiça. Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1993.
§ Perniola,M. Sex-appeal do inorgânico.
§ LATOUR, B. Jamais fomos modernos: ensaio de uma antropologia simétrica. São Paulo: Ed.34, 1994.
§ MORAES, M. O. O conceito de rede na filosofia mestiça. Revista Informare, v. 6, n. 1, p. 12-20, 2000.
§ FREIRE, L. Seguindo Latour: notas para uma antropologia simétrica. Rio de Janeiro: Vol. 11, nº 26, jan/jun. de 2006, p. 46-65

6 de abr. de 2008

Centro e Periferia?


Vista da comunidade Pankararu do Real Parque Morumbi. SP

13 de mar. de 2008

O Mito da Marginalidade

*Mariana Perozzi

Em O Mito da Marginalidade (1977), a antropóloga americana Janice Perlman analisa os principais estereótipos - delineados por teóricos, elaboradores de políticas ou pelo senso comum - relacionados a moradores de favelas. Tais estereótipos são por ela chamados mitos da marginalidade, os quais ela busca rechaçar ou confirmar a partir dos resultados da pesquisa que realizou em favelas do Rio de Janeiro, no final da década de 1960.

Na época do estudo, o Rio de Janeiro era uma das cidades brasileiras que mais crescia. Tinha cerca de 300 favelas, com uma população aproximada de um milhão de pessoas.

No Capítulo 1 (Cidades e Favelas), a autora aborda as controvérsias sobre a urbanização – fenômeno que se processa a uma velocidade maior que a industrialização e a criação de instituições urbanas compatíveis (oportunidades de trabalho, serviços urbanos, acomodações, infra-estrutura e capacidade administrativa da cidade), devido às elevadas taxas de migração, crescimento natural da população ou supermecanização (uso de tecnologia capital-intensiva nas indústrias, em detrimento da geração de novos postos de trabalho).

Perlman aborda também as favelas e as controvérsias acadêmicas que as cercam. Descreve os argumentos que sustentam pontos de vista como o das “favelas como aglomerações patológicas” (lugar de vagabundos, ladrões, bêbados e prostitutas que vivem em condições subumanas), “favelas como comunidades em busca de superação” (lugar de gente dinâmica, honesta e capaz) e “favelas como calamidade inevitável” (conseqüência natural e infeliz do crescimento urbano, dependente de ações paternalistas).

O Capítulo 2 (Duas Favelas e Um Subúrbio) descreve em detalhes a pesquisa de campo realizada pela autora entre 1968 e 1969, nas favelas da Catacumba (Zona Sul do Rio), Nova Brasília (Zona Norte) e Duque de Caxias (Baixada Fluminense). Como metodologia, empregou observação participante, entrevistas abertas, análise do contexto, dados de levantamento e históricos vitais cronológicos. Cada uma das três comunidades apresentaram características diferentes – e bastante peculiares - quanto à localização, aspectos físicos, história, serviços urbanos, espírito comunitário e perspectivas quanto à remoção.

No Capítulo 4 (A Teoria da Marginalidade e o Ideal Tipo), Janice Perlman primeiramente enfoca os usos comuns (populares) do termo marginalidade, para depois examinar as escolas e teorias que o conceituam.

No imaginário popular, o marginal é um elemento indolente e perigoso, geralmente ligado ao submundo do crime, da violência, das drogas e prostituição. As conotações pejorativas ligadas aos pobres na América Latina possuem profundas raízes históricas, sendo tais estereótipos, inclusive, perpetuados pelas próprias instituições oficiais.

Embora afirmando ser impossível qualquer classificação ou taxonomia das escolas de pensamento que estudaram a marginalidade, Janice Perlman agrupa e analisa sete abordagens, identificadas por ela da seguinte maneira:

1) psicossociológica: primeira a utilizar o termo marginalidade. Para Robert Park (1928), o marginal é um “indivíduo à margem de duas culturas e duas sociedades que nunca se interpenetraram e fundiram totalmente” (p.131). Para H.F.Dickie-Clark, “o grupo dominante (...), se pretende continuar dominante, não pode permitir às camadas inferiores que compartilhem seus poderes e oportunidades” (p.135).

2) arquitetônica-ecológica: define o marginal como aquele que mora em vizinhanças marginais em relação à cidade, com infra-estrutura, higiene e segurança precárias – ou seja, as favelas. Dessas condições decorriam os desequilíbrios morais e sociais. A marginalidade, portanto, deveria ser erradicada através da remoção das favelas.

3) etnográfica: “atribui a marginalidade à persistência de instituições e costumes rurais num ambiente de outra forma urbano” (p.139), e também à ausência de pressão comunitária para a internalização de regras e leis na personalidade do migrante.

4) tradicional-modernizante: considerava que os atributos de indivíduos de sociedades tradicionais explicavam a perpetuação do subdesenvolvimento. Mudanças nas esferas política, econômica e das estruturas sociais dependiam da modernização da sociedade, o que por sua vez requer que o próprio povo se modifique.

5) cultura da pobreza: diferencia a pobreza em si (ou seja, a privação material de certas necessidades) dos seus aspectos culturais (traços de personalidade que se perpetuam para gerações subseqüentes, mesmo após alterações nas condições econômicas).

6) ideologia da participação (Desal/Chile): segundo Vekemans, “a marginalidade se caracteriza pela completa falta de participação na sociedade global... Esta inter-relação de omissões é devida, por sua vez, à desintegração interna dos grupos marginais e sua carência absoluta de qualquer forma de organização” (p. 155).

7) teoria do radicalismo: os migrantes abandonam seus lares com expectativas pouco realistas e se vêem constantemente solitários e frustrados diante das dificuldades, pressupostos assim à explosões de violência ou atitudes revolucionárias. Na ausência de fortes laços grupais, os favelados podem facilmente aderir a movimentos de protestos.

No final deste capítulo, a autora traça o “tipo ideal”, um exemplo extremo da cultura marginal, que combina todas as características (são oito preposições) suscitadas pelas escolas mencionadas acima.

No Capítulo 5, ela busca testar cada uma das preposições do capítulo anterior, para determinar até que ponto os favelados e suburbanos do Rio de Janeiro correspondem aos constituintes da teoria da marginalidade.

Em resumo, Janice Perlman não confirma as preposições levantadas. A seguir, listamos as preposições e principais justificativas para sua desqualificação:

1) desorganização interna: a autora detectou intensa vida associativa na favela;

2) isolamento externo: a maioria dos favelados usa intensamente o contexto urbano, estando exposto a suas experiências;

3) cultura do tradicionalismo: ainda que a maioria dos favelados se identifique com alguma religião, não se fecham para maneiras racionais de pensar;

4) cultura da pobreza: ao contrário, os favelados apresentavam estabilidade familiar, otimismo e aspirações racionais ligadas à profissão, dinheiro, educação;

5) parasitismo econômico: segundo a pesquisa, quase todos que podiam trabalhavam (sobretudo no setor de serviços);

6) paroquialismo econômico: os favelados mostraram abertura para a inovação e ciência moderna, valorização do trabalho árduo e da educação;

7) apatia política; e 8) radicalismo político: tais resultados constam do capítulo 6.

PERLMAN, Janice E. O mito da marginalidade: Favelas e a política no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1977.

4 de mar. de 2008

Estudo em Antropologia Urbana I:


*C A D U


Inaugurando essa série de posts de reflexões acerca dos estudos em antropologia urbana, trago a baila o capitulo “esquinas sagradas” de Vagner G. da Silva, do livro “a metróplole” ,organizado por um dos grandes nomes da antropologia urbana no Brasil, o Prof. Magnani. A grande questão do trabalho é se o desenvolvimento urbano seria um obstáculo ou impedimento ao pensamento mágico.


Tendo como objeto o desenvolvimento do Candomblé na cidade de São Paulo, o autor conclui que a magia e a cidade são conciliáveis, evidentemente através de uma série de ressiguinificações. Basta um caminhar cuidadoso pelo centro de SP para perceber que advinhos e consulentes – e até mesmo as entidades invocadas - não se constrangem com o adverso cenário urbano.


Além disso, percebemos ao cruzar esquinas, parques ou perto de cemitérios, inúmeros despachos. Ou seja, de diversas formas, a presença do sagrado das religiosidades afro-brasileiras já são parte do cenário urbano. O trabalho busca entender como o Candomblé vem se constituindo em São Paulo.


Num resgate histórico, o autor nos lembra que o crescimento do candomblé foi concomitante aos crescentes fluxos migratórios do nordeste brasileiro, região que o candomblé teve maior desenvolvimento. Contudo, não consiste apenas de uma transposição geográfica, lembra o autor que, “O candomblé foi se formando em São Paulo em constante diálogo com a cidade, seus valores, símbolos, possibilidades e restrições” (Pág.96). Convocando seus deuses, para esses também, habitarem a metrópole.

Os terreiros paulistanos se multiplicam por toda a metrópole, e não é concentrada na chamada periferia, podem ser totalmente adaptadas as limitações materiais e espaciais, ou contar com uma infra-estrutura perto da ideal. No caso dessas adaptações, o autor nos dá um claro exemplo: “Se no terreiro não há espaço para os assentamentos dos deuses que são cultuados em altares externos, então eles serão recolhidos em um quarto”(Pág 101).

Mas existem algumas limitações, de ordem natural e próprios de uma metrópole - que exige maior flexibilidade dos terreiros, mais especificamente os cultos aos orixás na cidade, afinal alguns precisam de água, como Iemanjá ou Oxum e a presença de espaços aquáticos naturais na metrópole é uma dificuldade. Outro problema é a colheita de certas ervas necessários aos rituais. Espaços de florestas com ervas naturais são praticamente inexistentes, o que faz os membros a recorrerem a adaptações, como o uso de folhas secas comercializadas em casas especializadas.


Além dessas folhas, o candomblé precisa de espaços de mata ou floresta, também bastante difíceis. Lembra o autor que o Candomblé teve que se desenvolver na cidade elaborando estratégias para a carência de folhas sagradas e de espaços de mata. Assim, “A substituição do bosque sagrado operada pela religião na ressiguinificação de árvores, praças, jardins, lojas etc. faz-se num contexto em que prevalece a cidade, sua paisagem, seus limites, suas injunções” (pág111)


Concluindo, percebe-se que o candomblé ao mesmo tempo em que se posiciona com uma religião de características próprias é capaz de resolver problemas de todos os tipos, inclusive mais específicos da vida urbana, e ainda faz uma reeleitura de sua estrutura ritual em função das exigências do desenvolvimento urbano, estabelecendo estratégias para sua legitimação, divulgação e crescimento, inclusive com o uso dos meios de comunicação de massa.


Da Silva, Vagner Gonçalves. As esquinas Sagradas. In: Magnani.J.G. Na Metrópole. Edusp,1996.

28 de fev. de 2008

Discussão: A antropologia urbana e os estudos brasileiros (Tema 3)

*Mariana Perozzi

O objetivo do encontro de 26/02/2008 foi mostrar as diferenças entre os métodos de estudo da metrópole.

A Sociologia, em linhas gerais, busca revelar a cidade em sua totalidade, através das suas dicotomias (centro x periferia).

Já a Antropologia questiona a totalidade da cidade, questiona a existência de uma “cultura urbana” que permeie toda a cidade. Considera que existem várias culturas, e que nem todas são urbanas (a exemplo das famílias camponesas que vão para a cidade e conservam muitos de seus hábitos “rurais” – O. Lewis, Five Families, 1959).

Outro parâmetro contestado pela Antropologia é a relação direta entre urbanização e industrialização.

A terceira diferença consistiria no próprio método de investigação, já que a Antropologia pretende conhecer as partes sem a pretensão de explicar o todo. São típicos estudos da Antropologia Urbana, por exemplo, estudos de caso específicos sobre um grupo de mulheres (ou de adolescentes, ou de religiosos) de determinado bairro.

A principal crítica apontada durante o encontro é que ambas – Sociologia e Antropologia – apresentam a mesma limitação: pensar que a cidade é feita de arquitetura e pessoas, num espaço fechado (método visual).

O trabalho de Canevacci, especificamente, utilizou o mesmo método “turístico” de W. Benjamim na França: passear e observar. O resultado desta “antropologia urbana arquitetônica” seria superficial e não explicaria a metrópole. Ressalta-se, ainda, que na visão de Canevacci a comunicação urbana é o diálogo do antropólogo (observador) com os prédios (arquitetura).

O centro da questão é, portanto, o “habitar”, já que não habitamos mais prédios arquitetônicos, mas sim multi-espaços intermediados por tecnologias (ao ligar a televisão, por exemplo).

No limite, o indivíduo pode não distinguir mais entre seu corpo e o espaço (o lado “de fora”). Esta dificuldade em separar o que é interno do que é externo foi chamada por Celeste Olalquiaga de “psicastenia”, considerada por muitos como uma doença. Na psicastenia, a especificidade do lugar não é dada pelo lugar em si, mas pela relação deste com a psiquê do indivíduo.

A ascensão da antropologia nos estudos urbanos na cidade polifônica de Canevacci

*Mariana Perozzi & Cadu



A Obra de Canevacci, de certa forma, revela a ascensão dos estudos antropológicos acerca dos fenômenos urbanos, a partir dos anos 80, devido à crise do método sociológico. Assim, o método proposto pelo antropólogo italiano revela a limitação da sociologia. Para o autor é possível afirmar que estamos vivendo uma fase na qual os velhos modelos se tornam cada vez mais obsoletos. Insiste que a sociedade atual está mudando tão rapidamente que se tornam arcaicos os paradigmas interpretativos ligados a um contexto que já se dissolveu.

M. Canevacci, em A Cidade Polifônica (1993), propõe um método de pesquisa antropológico baseado numa interpretação etnográfica da metrópole, que consistiria sobretudo em tornar familiar o que é estranho e tornar estranho o que é familiar. “De um ponto de vista antropológico, o processo de estranhamento deve ser conduzido ao ponto em que nosso relacionamento com o mundo é mais costumeiro e, portanto, mais familiar, enquanto o processo oposto de familiarização deve focalizar e descobrir o que é desconhecido” (p.30).

Propõe também que se utilize uma “observação observadora”, não mais participante da ação, mas que observa a si própria como sujeito que observa o contexto. Se tratando, portanto, de uma antropologia vivente e não museal.

A necessidade de utilização deste método antropológico surge, segundo o autor, da incapacidade da Sociologia em estudar/explicar os fenômenos urbanos, devido: a) à limitações inerentes ao seu modelo de pesquisa; b) às transformações da própria metrópole, na qual o elemento visual passa a ser central.

A dicotomia “centro-periferia” estaria em crise (p.45). O autor explora o conceito de vídeo-scape para melhor entender a metrópole contemporânea. Dessa forma, o urbano é melhor tratada por novas paisagens cujos nomes trariam o sufixo “-scape”, teorizados por Appadurai (1990). O video-scape para Cavenacci seria um repertório interconexo de impressa, celulóide, telas eletrônicas, videogames e celulares.

Canevacci atribui à metrópole três características fundamentais: mudança, complexidade e comunicação (esta última, eixo principal da metrópole, o elemento emergente que caracteriza a nova fase). Para ele, a cidade é o lugar do olhar, o que justificaria a importância da comunicação visual – o exemplo mais contundente disso seria o shopping Center.

19 de nov. de 2007

A Cidade como habitat na Escola de Chicago

Os estudos acerca do habitat urbano percebem uma influência fundamental dos estudos sociológicos da chamada escola de Chicago. Por escola de Chicago se entende o conjunto de estudos sociológicos realizados entre 1915 e 1940 por integrantes da Universidade de Chicago.

Um aspecto importante desses estudos foi à inédita introdução, no campo da sociologia, de estudos empíricos, essencialmente descritivos, donde, pela primeira vez na historia dessa ciência se atribuía uma voz ativa ao agente social, agente esse que não era responsável pelos seus atos (análise também inovadora), antes, é influenciada por seu habitat e suas intrínsecas relações ecológicas, o que ficou conhecido por ecologia humana. Como principal contribuição tem-se o desenvolvimento de métodos originais de investigação.

Para Mário Eufrásio – um especialista brasileiro em Escola de Chicago – essa sociologia era uma ciência sistemática voltada para a explicação da realidade social global através de categorias gerais e uma ação prática de coleta de dados por imersão direta na vida das comunidades. Sua principal questão é a assimilação e da crescente leva de imigrantes do início do século XX por parte da sociedade americana.

Robert Ezra Park, Ernest Watson Burgess e Roderick Duncan McKenzie como professores e pesquisadores do Departamento foram os grandes ícones dessa corrente e contribuíram para dar forma às temáticas da ecologia humana, da sociologia e da cultura urbana, das relações raciais e da psicologia social urbana. Claro que dentro do contexto norte-americano, da imigração, industrialização, pobreza e trabalho formal. Vale Lembrar que o surgimento do departamento de sociologia na universidade de Chicago está assentado em um tripé: O financiamento pela Família Rockfeller; A divulgação das pesquisas, com suas inúmeras publicações e a internacionalização do centro de pesquisa.

Um outro aspecto a ser destacado é o extremo determinismo do lugar, oriundo da concepção ecológica da sociedade. É uma lógica espacial que minimiza o papel da mídia como elemento construtor do social. A análise ecológica levava a catalogalização de várias formas de patologia social, incluindo o crime e a delinqüência.

A Abordagem ecológica busca a sistematização dos métodos em pesquisa social partindo das experiências das chamadas 'ciências duras'. Tem como cenário as cidades norte-americanas, as quais são apresentadas como um amplo e complexo mosaico de posições geográficas e grupos étnicos. Cada 'peça' desse mosaico apresenta leis próprias. A Ecologia Humana estuda os comportamentos humanos e os efeitos da posição espaço-temporal sobre os indivíduos. Ressalta, assim, a importância do Habitat para as relações sociais. Existem, portanto, 'leis naturais' que condicionam o desenvolvimento da cidade e determinam sua dinâmica (determinismo). Dentro dessa dinâmica, a expansão territorial se da a partir do modelo de zonas concêntricas.

Em linhas gerais, são dois os grandes objetos privilegiados de estudo, a saber: a imigração e a criminalidade. Dentro da análise dos fenômenos de imigração, são quatro os grandes tipos de interação: competição, conflito, acomodação e assimilação. Dentre esses, a competição é aquele cuja forma é a mais elementar, universal e fundamental. Em seu conjunto, a Escola de Chicago desenvolveu uma visão otimista da imigração, sob a forma do homem marginal, que se torna um híbrido cultural que utiliza com intimidade duas culturas distintas, mas não é plenamente aceito por nenhuma delas e é marginalizado por ambas. A mestiçagem, para os pesquisadores de Chicago, é um enriquecimento.

Sobre a criminalidade vale lembrar que era muito relacionado com a imigração, sobretudo em Chicago. Frederic Thrasher dizia que as gangues ocupam o "cinturão de pobreza", onde o habitat está deteriorado, a população muda sem cessar, tudo está desorganizado, abandonado, assim a gangue seria uma resposta e sua origem seria espontânea. Nasce dos encontros de rua entre adolescentes desocupados que passam a maior parte do tempo perambulando, jogam e bebem juntos, são solidários, ajudam-se. A característica decisiva e que o grupo se desloca e encontra outros grupos hostis que precipitam o conflito.

Trasher expôs a vida cotidiana no interior de uma gangue, muito mais excitante para um rapaz do que a que lhe pode oferecer o ambiente familiar ou social. Se os jovens se tornam membros das gangues, é porque trazem em si uma energia sem uso que nenhum modelo social desejável é capaz de controlar, mas que tem ocasião de se expressar nas gangues de maneira mais livre e espontânea.

Segundo Landesco, do mesmo modo que o bom cidadão, o gânguester é um produto de seu ambiente. O bom cidadão foi criado em uma atmosfera de respeito obediência a lei. O gânguester freqüentou um bairro em que a lei, ao contrario, é infringida constantemente.

Em 1929, estudiosos da EC chegaram a seguinte conclusão: Os bairros mais próximos dos centros comerciais e industriais, onde se concentrava a população de mais baixa renda, tinham as mais altas taxas de criminalidade. Ao contrário, os bairros residenciais da periferia da cidade, mais ricos, tinham taxas muito baixas. O simples fato de morar em certas partes da cidade, constituía um indício ou um prognóstico de delinqüência.

1 de jan. de 2006

Grupo de Estudos: Áreas Vírus

Apresentação:

O termo Áreas Vírus foi forjado no sentido de conceituar antigos espaços urbanos, os quais, devido às transformações macro ambientais ocorridas nos últimos tempos, tiveram sua arquitetura resignificada através de iniciativas, principalmente culturais, que buscavam alternativas à lógica da sociedade do espetáculo, então predominante. Estas iniciativas, tal qual os vírus, acabavam por contaminar todo o seu entorno, de modo a propiciar a construção de representações de mundo alternativas àquelas as quais as comunidades estavam fadadas a incorrer. Foi assim, por exemplo, que antigos galpões industriais transformaram-se em teatros ou centros culturais donde emanam as mais diferentes formas de expressão criativa, original, contestadora da ordem estabelecida.

No contexto que hoje vivemos, onde as tecnologias digitais propiciam às pessoas uma mobilidade sem precedentes na história humana, as Áreas Vírus têm sua força reprodutiva e, consequentemente, seu poder de contaminação potencializados. Ainda como conseqüência destas novas tecnologias, as formas de expressão também são incrementadas por novas possibilidades objetivas - recursos e meios de produção - e novas possibilidades subjetivas - diferentes formas de sentir e habitar um mundo onde a dicotomia real-virtual está superada.

No bojo dessa realidade, o conceito de centro e periferia, tão caro a modernidade, entra em profunda crise. Se aos olhos de um urbanista, o conceito de periferia ainda pode ter sua razão de existir, um novo olhar sobre a realidade tecno-comunicativa perceberá as Áreas Vírus por aí se multiplicando, determinando assim, o esfacelamento do núcleo da sociedade moderna, do conceito de centro enquanto produtor de valores, significações e visões de mundo. E portando, é muito mais frutífero na contemporaneidade pensar no conceito de rede.

Exemplo disso são as novas conflitualidades que dizem respeito às "periferias" das grandes metrópoles ou pensando mais amplamente, as “periferias” do planeta. Basta lembrarmos de Los Angeles, Seattle, Paris, Gênova e, mais emblematicamente, o caso dos zapatistas no México.

Em todos estes casos, grupos de pessoas, através das tecnologias comunicativas-digitais, pareceram atuar através de novas formas de rebeldia, sem ideologia, sem a busca pela tomada do poder, nem a construção de uma alternativa ideologicamente identificável. Nesse sentido, estas novas conflitualidades tornam-se um laboratório importante para entender a crise moderna.

É nesse cenário extremamente instigante que se propõe o presente grupo de estudos e pesquisas. Porém não é tudo. Buscamos ir além. Pois através de nossas incursões de campo queremos estabelecer canais de cooperação, de troca, enfim, de integração entre o saber criativo e original das Áreas Vírus e o saber institucionalizado da universidade.